
A tragédia do Marialva

MARIALVA
O rebocador Marialva foi construído em 1937 nos estaleiros navais H. Parry & Son, no Ginjal. Lançado à água como António Serra, mudou o nome para Marialva quando foi adquirido em fevereiro de 1946 pelos Armadores Pascoais Unidos Lda, com sede em Matosinhos, e assim se manteve até 1959, quando passou para a propriedade da Sofamar – Sociedade de Fainas de Mar e Rio SARL, com sede em Lisboa.
O rebocador Marialva media 26,10 metros de comprimento, com uma boca de 5,64 metros, e deslocava cerca de 111 toneladas. Equipado com uma máquina de 289 cavalos-vapor indicados (ihp), atingia a velocidade de cruzeiro de 9,5 nós. Era uma embarcação robusta, construída para enfrentar as exigências do trabalho portuário e fluvial.
Tinha uma tripulação composta por nove elementos. O seu mestre, há já muitos anos, era Júlio Fernandes Parracho — homem de mar, experiente, respeitado, e profundo conhecedor das águas que navegava. Na noite fatídica de 7 de dezembro de 1959, encontrava-se a bordo quando, numa operação de reboque em condições meteorológicas adversas ao largo da barra do Douro, o Marialva e os dois batelões que o seguiam — Cantanhede e Micaelense — sucumbiram à força do mar. Nenhum dos tripulantes das três embarcações sobreviveu.
CANTANHEDE
O batelão Cantanhede era uma embarcação robusta. Construído em 1915 nos estaleiros Schiffswerft Oderwerk A/G, localizados em Stettin, Alemanha, o batelão era feito de ferro, o que lhe garantia durabilidade e resistência para o transporte de cargas pesadas.
Com um comprimento aproximado de 40 metros e uma arqueação bruta de 286,42 toneladas, o Cantanhede foi inicialmente construído para trabalhos marítimos exigentes.
Em 1946, o batelão passou a ser propriedade dos Armadores Pascoais Unidos Lda. Posteriormente, em 1959, a sua propriedade foi transferida para a empresa Sofamar – Sociedade de Fainas de Mar e Rio, SARL.
O batelão era tripulado por uma equipa reduzida de quatro tripulantes.


MICAELENSE
O batelão Micaelense era uma embarcação construída em madeira, com 31,15 metros de comprimento e arqueação bruta de 222,98 toneladas. Era propriedade da Companhia de Navegação Carregadores Açoreanos, com sede em Ponta Delgada, sendo gerida pela empresa David José de Pinho & Filhos, sediada no Porto.
Em 1943, o Micaelense passou por importantes reparações no estaleiro de José da Silva Lapa, em Vila Nova de Gaia, o que garantiu sua manutenção e capacidade operacional por mais tempo.
Já na década de 1950, o batelão mudou de mãos e, em 1959, foi adquirido pela Sofamar – Sociedade de Fainas de Mar e Rio SARL.
O Micaelense tinha uma tripulação composta por quatro elementos.
As tripulações
Marialva
- MESTRE Júlio Fernandes Parracho
- CONTRA-MESTRE João Francisco Reis
- MARINHEIROS Joaquim Martins Santos e Francisco Conceição Felicio
- MOÇO Lázaro Estroilo
- MAQUINISTA Adolfo Américo Costa
- FOGUEIROS José Silva Monteiro e Emilio Francisco Santos
- CHEGADOR Antero Joaquim Almeida Duarte
Cantanhede
MESTRE Domingos Santos Caturna
MARINHEIROS Alexandre Duarte Silva e Manuel Joaquim Damião
MOÇO Francisco Maria Enguião
Micaelense
MESTRE Francisco Oliveira Enguião
MARINHEIROS Joaquim Viegas Lameiro e António Joaquim dos Santos
MOÇO José Rui Luís
a última viagem
Na sexta-feira, 4 de dezembro de 1959, três embarcações zarparam do porto de Setúbal com destino a Leixões, numa viagem que deveria durar cerca de 36 horas. O rebocador Marialva liderava a composição, rebocando dois batelões: o Cantanhede, carregado com sacos de cimento, e o Micaelense, transportando sal.
Durante grande parte da viagem, a navegação decorreu sem incidentes. Ao início da noite de domingo, já ao largo de Aveiro, o Marialva estabeleceu contacto com o arrastão Miragaia. O relato indicava vento forte de sudoeste, mas nada que causasse alarme à tripulação.
Porém, nas horas seguintes, a situação meteorológica agravou-se rapidamente. O vento rodou para noroeste, tornando-se mais intenso. O mar cresceu, e a ondulação tornou-se perigosa.
Nessa noite, o mestre do Marialva, Júlio Fernandes Parracho, manteve contacto via rádio com a família, não expressando grande preocupação, embora reconhecesse as más condições do mar.
Já ao largo do Porto, a composição enfrentou um forte temporal. O Marialva ainda conseguiu manter contacto rádio com o navio-tanque Shell-11, fundeado no porto de Leixões. Às 00h10, o mestre Parracho comunicou que navegava com mar alteroso, sob fortes aguaceiros e rajadas de vento muito violentas. Informou que as ondas já varriam o convés mas tinha a intenção de entrar na barra de Leixões. Afirmou que voltaria a comunicar para dar a sua posição entre a 1h e a 1h30.
Essa foi a última comunicação.
A partir daí, instalou-se o silêncio.
Faleceram ao largo do Porto, ao inicio daquela fatidica madrugada do dia 7 de dezembro de 1959, 17 homens.
O DIA SEGUINTE
Quando o dia amanheceu, a confirmação da tragédia não tardou. O mar revolto entregou destroços das embarcações às praias entre a Madalena e Espinho. Entre os escombros, apareceu o corpo de Domingos Santos Caturna, mestre do Cantanhede.
Tudo indica que, com o agravamento do temporal, o Cantanhede, construído em ferro e carregado de cimento, começou a meter água e afundou, arrastando o rebocador Marialva para o fundo. A violência do mar foi tal que desfez parcialmente o Marialva ainda durante o afundamento.


O segundo batelão, o Micaelense, de madeira, não resistiu à força das ondas e foi completamente desfeito. Os seus restos foram lançados à costa pela força da rebentação, sobretudo na praia da Madalena.
Chegaram também à costa fragmentos do Marialva: a casa do leme (de madeira), um bote, bóias, coletes de salvação e várias pranchas. Quase nada foi recuperado do Cantanhede, reforçando a hipótese de ter afundado de forma abrupta.
a descoberta e os naufrágios nos dias de hoje
rebocador Marialva
Após quase 64 anos desaparecido, os destroços do rebocador Marialva foram, finalmente, localizados no início de setembro de 2023, graças a uma ação conjunta da Submania com a empresa OceanScan MTS. Essa descoberta encerra uma busca que já durava cerca de três décadas.
No dia 14 de setembro de 2023, uma equipa de mergulhadores da nossa Escola — composta por Luís Mota, Delfim Trancoso, Filipe Severino e Sérgio Guimarães — mergulhou no local assinalado e confirmou, de forma inequívoca, a identidade do naufrágio: tratava-se de fato do rebocador Marialva, cuja localização permanecia desconhecida desde o seu afundamento.

O naufrágio encontra-se, atualmente, muito desfeito e praticamente assoreado, com apenas algumas estruturas visíveis acima do nível da areia, entre elas a caldeira. Está situado a aproximadamente 27 metros de profundidade, nas imediações do batelão Cantanhede.

Batelão Cantanhede
O batelão Cantanhede encontra-se naufragado a cerca de 3 milhas da costa, alinhado com a foz do Rio Douro, a uma profundidade de aproximadamente 27 metros, com orientação sul-norte, repousando sobre fundo de areia.
A embarcação foi visitada pela primeira vez em 19 de junho de 1987 pelos mergulhadores Óscar Felgueiras e Manuel Humberto. Na época, o batelão ainda se encontrava razoavelmente intacto, com os dois porões bem definidos, casa do leme à popa, guincho à proa, uma divisão sob o convés da popa contendo um fogão a lenha.
Actualmente, o Cantanhede está em estado avançado de degradação, com as estruturas de proa e popa desaparecidas, podendo ser observados apenas e parcialmente os dois porões de carga e um pequeno convés na popa. Ainda assim, é possível distinguir parte da carga original — cimento petrificado pelo contacto com a água, formando uma estrutura semelhante a um rochedo no interior da embarcação.

