A descoberta do “Navio do Norte” e a história do Rollo

Em meados da década de 1990, teve início a busca pela identidade de um misterioso naufrágio ao largo de Vila Chã. Durante a investigação, foram recolhidas diversas informações e estabelecida correspondência, via postal e fax, com o National Maritime Museum, em Greenwich (Londres), e com a companhia P&O Line, uma vez que havia indícios que poderiam associar o naufrágio a um ocorrido a 21 de fevereiro de 1847.

Essa investigação, de natureza relativamente amadora, foi conduzida pelo instrutor Luís Mota, com os escassos recursos disponíveis na altura — numa época em que a internet ainda dava os primeiros passos. Foi assim que se chegou a um navio chamado Tiber, um vapor inglês que zarpou de Gibraltar com destino a Inglaterra. Apesar das suspeitas iniciais, algumas incoerências impediram a confirmação definitiva de que o naufrágio seria, de facto, o Tiber.

O achado de 2020 e o reacender do mistério

No dia 18 de Julho de 2020, durante um dos vários mergulhos que realizamos ao longo do verão no chamado Navio do Norte, os mergulhadores Pedro Moço e Luís Osório exploravam os destroços quando algo semienterrado na areia chamou a atenção de Pedro: uma espingarda. O artefacto foi recuperado e enviado ao CNANS (Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática) para restauro e análise.

Esse achado trouxe novo ânimo à investigação e renovou o interesse na identificação do navio. Assim, com grande contributo de Pedro Moço, constituiu-se uma equipa informal de arqueólogos, historiadores e outros técnicos, sob a liderança do arqueólogo subaquático Alexandre Monteiro. O esforço conjunto e voluntário deste grupo permitiu dar um importante passo em frente na resolução do mistério, conduzindo à forte possibilidade de o navio ser, na verdade, o Rollo.

A referência ao Rollo e a investigação

Durante o processo de investigação, foi identificada uma referência ao “Navio do Norte” como sendo o Rolla (variação ortográfica de Rollo), no livro “Villa Cham da Maya, Vila do Conde”, da autoria de Amadeu Ramos dos Santos. Publicada em 2019, com uma tiragem limitada de 500 exemplares, a obra passou despercebida pela comunidade de mergulhadores. As fontes utilizadas pelo autor para chegar à conclusão de que se tratava do Rollo permanecem desconhecidas.

A história da descoberta foi publicada na prestigiada revista inglesa DIVER, em novembro de 2020. Posteriormente, foi alvo de reportagem no jornal PÚBLICO, na edição de 7 de março de 2021, centrada na investigação e busca pela identidade do naufrágio.

 

A SUBMANIA agradece a colaboração de Alexandre Monteiro, da sua equipa e, especialmente, de Pedro Moço, que, de forma voluntária, contribuíram significativamente para este avanço histórico.

O Navio do Norte

“Navio do Norte” — ou simplesmente “Navio” — é o nome atribuído por pescadores locais a este naufrágio, localizado ao largo de S. Paio, Vila Chã.

A investigação realizada permitiu concluir, com um elevado grau de certeza, tratar-se da barca inglesa Rollo, cujo naufrágio está documentado como tendo ocorrido na madrugada de 4 de Junho de 1876. A sua localização e a carga encontrada coincidem exactamente com os registos históricos do Rollo, restando poucas dúvidas quanto a esta identificação.

A Barca Rollo

O Rollo era uma barca inglesa, embarcação à vela de madeira, com três mastros e pavilhão britânico. Foi construída nos estaleiros de E. Cox, em Bridport, e lançada à água às 7h40 da manhã de 17 de fevereiro de 1868. Foi batizada com o nome Rollo pela esposa do mayor da cidade.

Especificações:

  • Comprimento: 46,5 metros
  • Boca (largura): 9 metros
  • Pontal (altura do porão): 5,9 metros
  • Deslocamento: 583 toneladas
  • Capacidade de carga: até 950 toneladas

A embarcação pertencia à empresa londrina John Shepherd & Co. e estava classificada pela Lloyd’s como Categoria A1, por 13 anos, com marca especial. Era considerada uma embarcação de primeira classe, muito bem equipada, com acabamentos em mogno e acácia, e destinada ao comércio com a China e o Japão.

O naufrágio

Na madrugada de 4 de junho de 1876, por volta das 3h45, numa noite escura e sem luzes visíveis na costa, o Rollo navegava aproado a NNE a uma velocidade de 2 nós, quando embateu três vezes numa pedra submersa, abrindo rombo no casco. As bombas — duas principais e duas de esgoto — foram imediatamente ativadas, mas o nível da água continuava a subir.

Após cerca de uma hora de tentativas para salvar o navio, o capitão William T. Way ordenou a evacuação. Os dois botes foram baixados e todos os ocupantes, com as respetivas bagagens, abandonaram a embarcação. O Rollo afundou em cerca de 10 minutos, com a proa a pique.

Os náufragos remaram até às praias do Mindelo, de onde foram conduzidos ao Porto e, mais tarde, regressaram a Inglaterra.

No dia 6 de junho, a 1ª Repartição da Direção-Geral das Alfândegas publicou, com base em participação da Alfândega do Porto, o anúncio oficial do naufrágio da barca inglesa Rollo, ao largo da praia de Vila Chã.

Localização e primeiro mergulho

Após análise atenta dos testemunhos e dos dados de navegação expressos no relatório de inquérito ao naufrágio, julgamos muito provável que o Rollo tenha embatido no baixio da Rodelha, ao largo da Praia das Pedras da Agudela, tendo virado de bordo após o impacto e seguido com água aberta até naufragar no local onde hoje se encontra, ao largo de S. Paio – Vila Chã. A localização da Rodelha e do Rollo após o naufrágio suportam, com elevado grau de certeza, esta hipótese.

O “Navio do Norte” foi visitado pela primeira vez em 3 de novembro de 1973, por um grupo de três mergulhadores: Rui Pinto,  Alberto Freitas e Joaquim Oliveira Fernandes, guiados por um pescador local.

O Que Resta do Rollo

Do navio restam, entre outros:

  • Bombardas
  • Canhões
  • Balas de canhão
  • Peças metálicas diversas
  • Folhas de cobre ou liga cúprica em lotes, nomeadamente metal de Muntz
  • Pedras de lastro
  • Duas âncoras visíveis
  • Restos de madeira da estrutura, preservados pelo assoreamento

O naufrágio encontra-se em mar aberto, sobre um fundo de areia, a 33 metros de profundidade. Trata-se de um local bastante complexo e de difícil interpretação, sendo recomendada a companhia de um Dive Guide com profundo conhecimento da área para a realização de um mergulho completo. Como na maioria dos naufrágios desta costa, a fauna marinha é abundante.

Infelizmente, é frequente a presença de redes de pesca presas aos destroços, situação monitorizada pela SUBMANIA, que promove regularmente iniciativas para a sua remoção.